Pressa e Motivos Menos Nobres para Falhas em Produtos

Estaremos sendo vítimas de pouca atenção à confiabilidade? E precisando pagar duas vezes ou mais o preço justo pela realização das funções de nosso interesse?

Há uns 3 anos, comprei para uma impressora multifuncional laser colorida da Samsung. No momento da compra, lembro de ter passado pela minha cabeça o famoso mote das Organizações Tabajara: “seus problemas acabaram”. Mal sabia eu que haviam acabado de começar.

O infeliz artefato nunca fez sua função principal – imprimir – adequadamente. Era, no fundo, um scanner de luxo. Semanas atrás, parou completamente de funcionar. Foi mandado para a assistência técnica, pela terceira vez. O parecer foi que  o conserto custaria, praticamente, o valor de um aparelho novo. A decisão óbvia, já executada inclusive, foi a de comprar um novo aparelho – de outra tecnologia e marca, é claro.

Muitos já tiveram experiência parecida, com produtos desta categoria e outros. É a cafeteira, o aspirador, o computador, ou o novo smartphone que atraíram pela nova tecnologia, características e funções, que não funcionam completamente, não funcionam parcialmente, ou – o que é especialmente irritante – funcionam intermitentemente. Esta última, creio que podemos chamar de falta de confiabilidade de segunda ordem, pois é a falta de confiabilidade na falta de confiabilidade.

Por que tantas falhas? A considerar pelo volume de informação acumulados sobre os processos de desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos e pelas ferramentas, computacionais ou não, amplamente disponíveis, não deveríamos ter menos falhas?

Os motivos da falta de confiabilidade são variados: problemas de fabricação, desgaste, mau uso, falta de manutenção, falta de domínio da tecnologia pelo fabricante, erros de desenvolvimento, queima descuidada de etapas no processo de desenvolvimento, entre outros – incluindo a falta de confiabilidade proposital.

No caso da impressora multifuncional, casualmente, um amigo meu conhece bem o gerente do respectivo projeto, na Samsung. Havia poucos modelos de impressora multifuncional laser colorida na época. A poderosa HP, por exemplo, não oferecia este produto. Os coreanos queriam ser pioneiros nesta tecnologia, como já são em várias outras. E soube, pelo meu amigo, que o problema no projeto foi a falta de domínio da tecnologia, com a qual a empresa ainda não havia trabalhado, associada à pressão para lançar logo o produto.

No caso, fui um dos financiadores do processo de aprendizado da Samsung. Uma interessante estratégia. Não é ótimo ter alguém que pague pelos seus desenvolvimentos?

Mas esta não é uma postagem anti-Samsung. Ela não está sozinha. Considerando a competição para estar na frente, é de se esperar que haja mais falhas. Mesmo aquela que é benchmark em qualidade e bom desenvolvimento de produtos, a invejada Toyota, não escapou, recentemente, de uma falha que resultou em milionário recall.

Ser o primeiro num mercado tem grandes vantagens: monopólio temporário, possibilidade de uma grande e duradoura fatia, benefícios para a marca – desde que tudo seja bem feito. O problema que vemos, com ampliada frequência, é que, na pressa para lançar seus produtos antes, não está sendo dada a devida atenção ao uso de métodos de prevenção de falhas e à implementação de ações preventivas desde as etapas iniciais do processo de desenvolvimento.

Mais ainda, no modelo de produção e consumo prevalente, muitas empresas estão desenvolvendo e fabricando produtos intencionalmente fracos, com vida útil curta – a vil obsolescência planejada. Estas empresas procuram forçar o cliente a trocar o seu produto periodicamente, numa atitude, a meu ver, anti-ética.

Nesta lógica do quanto pior, melhor, dada a dinâmica de lançamento de novos produtos, já cheguei a ouvir de um cínico: se nem a Toyota está livre de falhas, porque devo me preocupar tanto com qualidade e confiabilidade?

Se considerarmos, ainda, a obsolescência percebida, por que buscar confiabilidade num mundo em que os produtos comprados agora logo serão vistos pelos clientes como obsoletos, mesmo que ainda em perfeito funcionamento? Recordo-me de uma loja de aparelhos celulares, cujo gerente parece orgulhar-se de um painel que instalou, intitulado “museu do celular”. Nele estavam, principalmente, modelos recentes. A intenção, clara, é sinalizar para o cliente que o aparelho em seu bolso, com 1 ou 2 anos de uso, embora funcione, já está ultrapassado e “precisa” ser substituído.

Fazer um produto bom e à prova de falhas sempre foi tarefa difícil. Exige engenharia bem feita, envolvimento de profissionais experientes de várias áreas, contratação de especialistas, conforme o caso, definição de requisitos e especificações, modelagem e simulação, prototipagem, testes, uso de ferramentas preventivas como Árvore de Falhas, FMEA, Análise Diversionária (aplicação da TRIZ para a melhoria da confiabilidade), entre outras.

Provavelmente, o melhor lado de todo este descaso é a oportunidade que ele cria para as empresas e empreendedores individuais sérios, de diferenciar-se, vendendo boa engenharia, qualidade e confiabilidade. Como consumidores, estamos carentes disso.


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About the author

Engenheiro, professor, empreendedor e autor, Marco de Carvalho atua nas áreas de inovação sistemática, criatividade, desenvolvimento de produtos e gerenciamento de projetos.

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