Idealidade: para onde vai a tecnologia?

Nesta postagem, vamos explorar um conceito fundamental da Teoria da Resolução de Problemas Inventivos (TRIZ) – o conceito de idealidade.

O que é Idealidade?

A idealidade na TRIZ é orientada para a busca da melhor solução possível para um problema, considerando as limitações e recursos disponíveis. Ela é expressa pela maximização da função do sistema (os benefícios) enquanto os custos e danos (os impactos negativos) são minimizados. É um conceito similar ao Valor, na Análise de Valor, ou mesmo ao bem conhecido de todos, custo-benefício.

Um sistema ou produto ideal é aquele que cumpre as funções necessárias sem causar problemas ou custos adicionais. O conceito de idealidade leva a inovações que buscam eliminar contradições e ineficiências, levando a soluções que são mais eficientes, econômicas, e eficazes.

A idealidade pode ser alcançada criando algo perfeitamente ideal, ou melhorando continuamente o sistema ou produto, reduzindo seus aspectos negativos enquanto os benefícios e capacidades são ampliados.

A Idealidade Sempre Aumenta

O aumento da idealidade dos sistemas técnicos é inexorável. Independe do desejo desta ou daquela empresa ou inventor. Os sistemas técnicos (produtos e processos) ficam cada vez melhores, fazendo mais com menos. Em termos da TRIZ e Inovação Sistemática, a função principal útil e outras funções úteis são aumentadas e as funções inúteis, neutras e prejudiciais são reduzidas.

A ocorrência deste fato pode ser observada no motor de combustão interna. Os automóveis de competição de 1895 tinham uma relação peso/potência aproximada de 1000kg/hp. Em 1935, a relação caiu para 4kg/hp. Hoje, é de 1kg/hp, e a redução continua, embora já esteja chegando ao limite e avanços futuros possam ser esperados apenas com tecnologias alternativas.

Outro sistema, em 1985, era um componente separado dos computadores aos quais servia, montado num gabinete razoavelmente volumoso (cerca de 1,5l): o modem. Gradualmente, ele foi diminuindo de tamanho e transmitindo dados a velocidades cada vez maiores. Passou de um sistema separado a uma placa dentro do gabinete de um computador, depois passou a ser um único chip numa placa e, hoje, assume a forma não física de software.

As tendências atuais de virtualização e a servitização são exemplos de idealidade em ação.

Como Utilizar a Idealidade?

Se quisermos usar esta lei a nosso favor, temos que considerar nosso produto ou processo. Qual sua função? Qual seria a melhor forma de realizar esta função, sem complicação, sem consumo de materiais, sem emissão de poluentes, com o mínimo custo?

E mais: será esta a melhor função que eu poderia oferecer para o meu cliente? A função mais adequada a executar pode estar um ou mais níveis acima ou abaixo da função atual, numa hierarquia de funções.

Este exercício pode parecer utópico, mas, creia-me: é melhor fazê-lo do que deixar para os concorrentes, ou aqueles que você nem imagina que poderão vir a ser seus concorrentes, fazerem.

Idealidade e a Lavadora de Roupas

Considere uma empresa que produz lavadoras de roupas. É um bom produto e vende relativamente bem. Então, diz o gerente de desenvolvimento de lavadoras: – Não enche, Marco! Não há nenhum problema com a minha lavadora!

Eu respondo: – Será? A função principal da lavadora é “lavar roupas”. Qual a melhor forma de lavar roupas? Limitando-nos apenas a esta função, poderíamos começar pensando em como lavar roupas com pouca ou nenhuma água, sem usar sabão, e/ou reciclando a água – lembrando que um dos maiores vilões do consumo de água doméstico é a lavadora de roupas. E que sabão contamina a água, que, depois, precisa ser tratada.

Entretanto, se eu for realmente sério em relação à idealidade, tenho que pensar ainda mais radicalmente. Por mais que me doa, preciso lembrar do caso do modem e considerar o possível sumiço da minha lavadora, num futuro que pode não estar muito distante. Afinal, que função o cliente realmente quer? Será que ele quer continuar lavando roupas? Mesmo sabendo que terá de pendurá-las para secar, ou usar uma secadora (que precisou comprar também e que consome uma energia danada)? E passar, depois?

– Vá lá, vá lá, Marco! – diz o gerente de desenvolvimento de lavadoras – Vamos fazer, então, uma lavadora-secadora. Ou, melhora ainda, uma lavadora-secadora-alisadora de roupas. E com baixo consumo de água, sabão, amaciante e energia. Agora, cliente nenhum mais vai reclamar! Certo?

Concordo que esta linha de raciocínio, por reduzir o uso de insumos e agregar várias funções úteis no mesmo produto, de fato, é mais próxima do ideal que as lavadoras tradicionais. Já existem, mesmo, algumas máquinas no mercado que lavam, secam e até alisam a roupa, usam tecnologias diferentes para a lavagem, etc. Mas, pode-se pensar além?

O passo adiante pode ser dado como resultado de se pensar numa função hierarquicamente acima de “lavar roupas”. Lavamos roupas por que, afinal? Porque queremos roupas limpas. Esse pensamento pode levar à função “limpar roupas”, ou, melhor ainda, “manter roupas limpas”. Neste último nível de funções, podem surgir soluções como roupas autolimpantes, ou roupas que não se sujam. Já existem superfícies super-hidrofóbicas, similares à flor de lótus (imagem abaixo), que impedem a adesão de sujeira. Uma roupa assim poderia ser simplesmente passada num recipiente com água, chacoalhada e sairia limpa e seca, pronta para ser vestida novamente. E sabe-se lá o que a nanotecnologia poderá trazer em termos de novos materiais para vestuário?

A Lição da Idealidade

Enfim, a lição central é que pensar na solução ideal permite estabelecer metas ousadas de desenvolvimento, que, se a empresa não tiver a disciplina de identificar e perseguir, terá algum concorrente que o fará. Essa é a lei. A idealidade permite identificar, antecipadamente, de onde poderão vir as ameaças. Até mesmo investidores podem fazer esse tipo de análise para decidir em que empresas investir, com base nas tecnologias centrais utilizadas em seus produtos. O conceito, bem como outros conceitos da TRIZ, é muito bem abordado no livro Encontrar uma Ideia.


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About the author

Engenheiro, professor, empreendedor e autor, Marco de Carvalho atua nas áreas de inovação sistemática, criatividade, desenvolvimento de produtos e gerenciamento de projetos.

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